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20 Calorias por dia

 

Do livro de Gary Taubes "Por que engordamos e como evitar"

 

O SIGNIFICADO DE VINTE CALORIAS POR DIA


Vinte calorias. Da próxima vez que alguém nos disser, como faz a Organização Mundial da Saúde no seu site, que a maneira de evitar “o fardo da obesidade” é “alcançar o equilíbrio energético e um peso saudável”, este é o número que deveria vir à mente no mesmo instante. Da próxima vez que nos disserem, como faz o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), que “para evitar o ganho de peso gradativo ao longo do tempo” tudo o que precisamos fazer é “reduzir as calorias ingeridas nos alimentos e bebidas e aumentar a atividade física”, lembre-se desse número. Se alguma dessas declarações oficiais sobre o peso corporal fosse verdade, o problema da obesidade seria fruto de nossa imaginação coletiva, e não a questão de saúde pública mais premente de nossa era.

 

O ganho de peso é um processo gradual, como afirma o USDA. Assim que você observar que está ganhando peso, segundo a lógica do balanço calórico, basta fazer as pequenas reduções necessárias nas calorias consumidas e aumentar a atividade física, que tudo ficará bem outra vez. Você pode pular um lanchinho aqui e uma sobremesa ali; pode caminhar mais, passar alguns minutos extras na academia, e isso deve ser suficiente. Mesmo que engorde quatro ou cinco quilos antes de perceber a diferença, você já sabe o que é necessário para eliminá-los. Então, por que isso não funciona? Por que existe a obesidade? E por que o índice de cura é tão desoladoramente baixo, se tudo o que é necessário para evitá-la é reverter o balanço calórico positivo, a alimentação excessiva, que supostamente a causa?

 

É aí que entram as vinte calorias. Meio quilo de gordura contém energia equivalente a 3,5 mil calorias. É por isso que os nutricionistas sempre nos dizem que, para perder meio quilo, é necessário criar um déficit de energia de, em média, quinhentas calorias por dia – quinhentas calorias multiplicadas por sete dias totalizam 3,5 mil calorias por semana.[1]

 

Agora analisemos a matemática da perspectiva do ganho de peso. Quantas calorias precisamos ingerir em excesso para acumular um quilo a mais de gordura por ano – 25 quilos em meio século? Quantas calorias precisamos consumir, mas não gastar, estocando-as em nosso tecido adiposo, para nos transformarmos, como acontece com tantos de nós, de magros aos 25 anos em obesos aos cinquenta? Vinte calorias por dia. Vinte calorias por dia multiplicadas pelos 365 dias do ano resulta em pouco mais de 7 mil calorias armazenadas na forma de gordura a cada ano – um quilo de gordura em excesso. Se fosse verdade que nossa adiposidade é determinada pelo balanço calórico, só poderíamos deduzir o seguinte: você só precisa ingerir, em média, vinte calorias por dia a mais do que gasta para ganhar 25 quilos de gordura extra em vinte anos. E só precisa evitar essa quantidade – ingerir vinte calorias a menos por dia – para reverter esse processo. Vinte calorias por dia é menos que uma mordida em um hambúrguer do McDonald’s ou um croissant. É menos que sessenta mililitros de Coca-Cola ou Pepsi ou da típica cerveja. Menos que três batatas chips. Talvez três mordidinhas em uma maçã.

 

Ou seja, é quase nada. Vinte calorias é menos de 1% da ingestão calórica diária que a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos recomenda para uma mulher de meia-idade cuja ideia de atividade física regular é cozinhar e costurar; é menos de 0,5% da cota diária de calorias recomendadas para um homem de meia-idade igualmente sedentário. É uma quantidade tão insignificante que é isso o que a torna tão reveladora sobre a noção de balanço calórico. Se o que é necessário para “manter o peso”, como afirmam os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, é “equilibrar a energia que ingerimos com a energia que usamos”, isso significa que consumir, em média, vinte calorias por dia a mais do que você gasta, de acordo com a lógica do balanço calórico, acabará por torná-lo obeso.

 

Pergunte a si mesmo: como é possível que alguém se mantenha magro, se tudo o que é preciso para se tornar gradativamente obeso é exceder esse ponto de equilíbrio energético em apenas vinte calorias diárias? Afinal, um bom número de pessoas continuam magras. E, de fato, mesmo as que estão obesas ou acima do peso conseguem manter o peso, por maior que seja, durante anos e décadas. Elas podem ser gordas, mas ainda estão equilibrando as calorias que ingerem com as calorias que gastam, aparentemente, com precisão maior do que essa média de vinte calorias diárias, pois não estão engordando ainda mais. Como fazem isso? Uma ou duas mordidas ou goles a mais (dos cem ou duzentos que possivelmente damos ao consumir o sustento de um dia), e estamos condenados. Se a diferença entre não comer em excesso e comer em excesso é menos de um centésimo do total de calorias que consumimos, e se isso, por sua vez, precisa ser equiparado com o nosso gasto de energia, a respeito do qual estamos, a maior parte do tempo, totalmente no escuro, como alguém pode comer com tamanha precisão? Em outras palavras, a questão que deveríamos estar perguntando não é por que alguns de nós engordamos, mas como é que alguém consegue evitar essa sina.

 

Essa é uma pergunta que os pesquisadores fizeram na primeira metade do século XX com relação a essa aritmética, muito antes de o balanço calórico se tornar a sabedoria convencional. Em 1936, Eugene Du Bois, da Universidade de Cornell, então considerado a principal autoridade em nutrição e metabolismo, calculou que um homem de 75 quilos que consegue manter o peso durante
duas décadas – engordar não mais de um quilo durante esses vinte anos – está equilibrando seu consumo e seu gasto calórico com uma diferença de um vigésimo de um por cento, “uma exatidão”, escreveu Du Bois, “que só se equipara à de poucos dispositivos mecânicos”. “Ainda não sabemos por que certos indivíduos engordam”, Du Bois escreveu. “Talvez seja mais acertado dizer que não sabemos por que motivo, nessa comunidade sobrenutrida, não são todos os indivíduos que engordam.” Considerando a precisão requerida para manter um peso estável, acrescentou, “não há fenômeno mais estranho do que a manutenção de um peso corporal constante considerando-se a acentuada variação na atividade corporal e no consumo de alimentos”. O fato de que muitas pessoas se mantêm magras por décadas (embora seja menos comum hoje do que na época de Du Bois), e de que mesmo aquelas que são gordas não engordam continuamente, indica que a regulação de peso envolve outros processos que não podem ser explicados pela noção de que se tudo se resume a calorias.


Consideremos algumas possibilidades. Talvez mantenhamos o equilíbrio energético, por exemplo, observando a balança e prestando atenção a outros sinais de aumento da adiposidade e, então, adequando nossa alimentação. Essa foi uma ideia levada a sério pelos especialistas nos anos 1970: Ih, o cinto está apertado demais, estou engordando outra vez, melhor comer menos. Os animais obviamente não fazem isso, e não há razão para pensar que o balanço calórico não se aplique a eles também. E, ainda assim, espécies que são magras no início da vida adulta (deixando de fora da discussão, por enquanto, aquelas que não o são, como morsas e hipopótamos) continuam magras com pouco esforço aparente. Como fazem isso? Talvez a única forma de se manter magro seja sentir fome – não uma fome terrível, mas ao menos um pouco de fome. Se sempre deixarmos um pouco no prato, ficarmos um pouco insatisfeitos, podemos ter certeza de que nossos desvios acumulados serão por comer pouco, e não muito. Melhor ingerir algumas calorias a menos do que gostaríamos do que vinte calorias diárias a mais do que necessitamos. Então, ou vivemos em um mundo onde raras vezes temos comida suficiente disponível, ou conscientemente comemos com moderação, o que significa afastar-se da mesa (ou, no caso dos animais, abandonar a última caçada ou deixar um pouco do pasto) antes de estar satisfeitos. Se comer com moderação significa que comemos de menos deliberadamente, por que não ficamos todos tão magros a ponto de parecer esqueléticos? A aritmética do balanço calórico não estabelece uma diferença entre ganhar e perder peso; só diz que devemos igualar as calorias consumidas com as calorias gastas.

 

Com certeza, algo mais está determinando se ganhamos ou perdemos gordura, e não apenas o ato consciente ou inconsciente de equiparar as calorias consumidas e gastas. Falarei sobre isso mais adiante. Primeiro, quero discutir o que o balanço calórico tem a dizer (ou não) sobre onde engordamos, quando engordamos e por que algumas pessoas e animais não engordam.

 


[1] Mais uma vez, esse cálculo é extremamente simplificado e não funciona na prática, mas a aritmética está correta, e é como as autoridades o percebem. Isso é tudo o que precisamos saber no momento.

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