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TERMODINÂMICA PARA LEIGOS, PARTE 1

 

 

 


A FDA [Food and Drug Administration, agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos] declarou que pretende iniciar uma campanha para educar consumidores, centrando-se em uma mensagem de “contagem de calorias”. Depois de anos promovendo uma dieta com baixo teor de gordura, está pronta para enfatizar uma nova – mas, na verdade, antiquíssima e imutável – mensagem científica: quem consome mais calorias do que gasta acaba engordando. Não há como escapar às leis da termodinâmica. The New York Times, 1o de dezembro de 2004.


Não há como escapar às leis da termodinâmica. Essa certamente é uma mensagem antiquíssima e imutável. Desde o início dos anos 1900, quando o alemão Carl von Noorden, especialista em diabetes, argumentou pela primeira vez que engordamos porque consumimos mais calorias do que gastamos, tanto especialistas quanto não especialistas vêm insistindo que as leis da termodinâmica, de certo modo, determinam que isso seja verdade.

 

Argumentar o contrário – ou seja, que poderíamos engordar por outras razões que não os pecados de uma alimentação excessiva e um comportamento sedentário, ou que poderíamos perder gordura sem deliberadamente comer menos e/ou praticar mais exercícios – sempre foi tratado como charlatanismo – “emotivo e infundado”, como insistiu o médico John Taggard, da Universidade de Columbia, em sua introdução a um simpósio sobre obesidade nos anos 1950. “Temos uma fé implícita na validade da primeira lei da termodinâmica”, acrescentou. Tal fé não é descabida. Contudo, isso não significa que as leis da termodinâmica tenham algo mais a dizer sobre o ganho de peso do que qualquer outra lei da física. As leis do movimento de Newton, a da relatividade de Einstein, as leis da eletrostática, a mecânica quântica – todas elas descrevem propriedades do universo que já não questionamos. Mas não explicam por que engordamos.

Não dizem nada a respeito disso, e as leis da termodinâmica também não. É impressionante como tanta ciência ruim – e, por conseguinte, tantas recomendações ruins e um problema crescente de obesidade – tem sido resultado da incapacidade dos especialistas para entender esse simples fato.

 

A própria noção de que engordamos porque consumimos mais calorias do que gastamos não existiria sem a crença equivocada de que as leis da termodinâmica a tornam verdadeira. Quando os especialistas escrevem que “a obesidade é um distúrbio de equilíbrio energético” – uma declaração que pode ser encontrada com pequenas variações em grande parte dos escritos técnicos sobre o assunto –, esta é uma forma abreviada de dizer que as leis da termodinâmica determinam que isso seja verdade. Mas não determinam.

 

A obesidade não é um distúrbio de equilíbrio energético ou de balanço calórico ou de alimentação excessiva, e a termodinâmica não tem nada a ver com isso. Se não formos capazes de entender esse fato, continuaremos presos ao pensamento convencional sobre o porquê de engordarmos, e essa é precisamente a armadilha, o atoleiro secular, que estamos tentando evitar.

 


Há três leis da termodinâmica, mas a que os especialistas acreditam que determina por que engordamos é a primeira. Esta é também conhecida como a lei de conservação de energia: tudo o que diz é que a energia não é criada nem destruída, apenas se transforma.

 

Exploda um bastão de dinamite, por exemplo, e a energia potencial contida nas ligações químicas de nitroglicerina será transformada em calor e na energia cinética da explosão. Uma vez que toda massa – nosso tecido adiposo, nossos músculos, nossos ossos, nossos órgãos, um planeta ou uma estrela, até mesmo Oprah Winfrey – é composta de energia, outra maneira de dizer isso é que não podemos criar algo do nada ou o nada de alguma coisa. Oprah, por exemplo, não pode tornar-se mais maciça – mais gorda e mais pesada – sem consumir mais energia do que gasta, porque a Oprah mais gorda e mais pesada contém mais energia do que a Oprah mais magra e mais leve.[1] Ela precisa consumir mais energia do que gasta para acomodar o aumento de massa. E não pode tornar-se mais magra e mais leve sem gastar mais energia do que consome. A energia é conservada. É o que nos diz a primeira lei da termodinâmica.

 

Isso é tão simples que o problema de como os especialistas interpretam a lei começa a se tornar evidente. Tudo o que a primeira lei diz é que, se algo se torna mais ou menos maciço, mais ou menos energia precisa entrar do que sair. Não diz nada sobre por que isso acontece. Não diz nada sobre causa e efeito. Não diz nada sobre por que qualquer fato acontece. Um lógico diria que não contém nenhuma informação causal.

 

Os especialistas em saúde pensam que a primeira lei da termodinâmica é relevante para explicar por que engordamos porque dizem para si mesmos, e então para nós, como fez o The New York Times, que “quem consome mais calorias do que gasta engorda”. Isso é verdade. Tem de ser. Para ficarmos mais gordos e mais pesados, nós precisamos comer em excesso. Precisamos consumir mais calorias do que gastamos.

 

Isso é um fato. No entanto, a termodinâmica não diz nada sobre por que isso acontece, por que consumimos mais calorias do que gastamos. Só diz que, se fizermos isso, ficaremos mais pesados e, se ficamos mais pesados, fizemos isso. Imagine que, em vez de discutir sobre por que engordamos, estejamos discutindo sobre por que uma sala fica lotada. Agora a energia que estamos discutindo está contida em todo o indivíduo, e não apenas em seu tecido adiposo. Dez pessoas contêm certa quantidade de energia, onze pessoas contêm mais, e assim por diante.

 

Então, o que queremos saber é por que essa sala está lotada e tão abarrotada de energia – isto é, de pessoas. Se você me fizesse essa pergunta, e eu dissesse Bem, porque entraram mais pessoas na sala do que saíram, você provavelmente pensaria que eu estava sendo um pedante ou um idiota. É claro que entraram mais pessoas do que saíram, você diria. Isso é óbvio. Mas por quê? E, de fato, dizer que uma sala fica lotada porque mais pessoas estão entrando do que saindo é redundante – é dizer a mesma coisa de duas maneiras diferentes – e, portanto, sem sentido.

 

Tomando emprestada a lógica da sabedoria convencional da obesidade, quero esclarecer esse ponto. Então eu digo: Escutem, essas salas que têm mais pessoas entrando do que saindo ficarão mais lotadas. Não há como escapar às leis da termodinâmica. Você ainda diria: Sim, mas e daí? Ou ao menos é o que eu esperaria que você dissesse, porque ainda não lhe dei nenhuma informação causal.

 

Estou apenas repetindo o óbvio. Isso é o que acontece quando a termodinâmica é usada para concluir que comer demais nos faz engordar. A termodinâmica nos diz que, se ficamos mais gordos e mais pesados, mais energia entra em nosso corpo do que sai. Uma alimentação excessiva significa que estamos consumindo mais energia do que gastando. Diz a mesma coisa de uma maneira diferente. Nenhuma das duas parece responder por quê. Por que consumimos mais energia do que gastamos? Por que comemos demais? Por que engordamos?[2] Responder à pergunta “por que” é falar das causas reais. Os Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos Estados Unidos afirmam em seu site: “A obesidade ocorre quando uma pessoa ingere mais calorias do que queima”. Ao usar a palavra “ocorre”, os especialistas dos NIH não estão realmente dizendo que comer demais é a causa, mas apenas que é uma condição necessária. Eles estão sendo tecnicamente corretos, mas agora cabe a nós indagar: Tudo bem, mas e daí? Vocês não vão nos dizer por que a obesidade ocorre, em vez de dizer o que mais acontece quando ocorre? Os especialistas que afirmam que engordamos porque comemos demais ou que engordamos em consequência de uma alimentação excessiva – a maioria – estão cometendo o tipo de erro que os levaria (ou deveria levar) a ser reprovados em uma prova de ciências do ensino médio.

 

Estão tomando uma lei da natureza que não diz absolutamente nada sobre por que engordamos e um fenômeno que precisa acontecer se engordamos – comer demais – e presumindo que isso diz tudo o que precisa ser dito. Esse foi um erro comum na primeira metade do século XX. Tornou-se onipresente desde então. Precisamos procurar respostas em outras fontes. Um bom ponto de partida pode ser um relatório dos Institutos Nacionais de Saúde publicado em 1998. Na época, os especialistas dos NIH tinham uma postura um pouco mais aberta, e portanto um pouco mais científica, quanto aos fatores que poderiam causar a obesidade: “A obesidade é uma doença crônica complexa e multifatorial que se desenvolve a partir da interação entre genótipo e meio ambiente”, explicaram. “Nossa compreensão acerca de como e por que a obesidade se desenvolve é incompleta, mas envolve a integração de fatores genéticos, metabólicos, fisiológicos, culturais e comportamentais.”

 

Então, possivelmente, as respostas a serem encontradas residem nessa integração de fatores – começando pelos fisiológicos, metabólicos e genéticos e permitindo que eles nos levem aos desencadeadores ambientais. A única certeza que devemos ter é que as leis da termodinâmica, por mais que sejam verdadeiras, não nos dizem nada sobre por que engordamos ou por que consumimos mais calorias do que gastamos enquanto isso acontece.


[1] É possível engordar sem ficar mais pesados se perdermos músculos e ganharmos gordura. Nesse caso, não precisamos consumir mais energia do que gastamos porque podemos estar transferindo energia dos músculos para a gordura. É por isso que digo mais gordos e mais pesados, em vez de simplesmente mais gordos.


[2] Jean Mayer, que teve alguns acertos com relação à obesidade e à regulação de peso, mas errou nos aspectos mais importantes, formulou a questão da seguinte maneira em 1954: “A obesidade, segundo muitos acreditam, é explicada por uma alimentação excessiva; de fato, deve-se reconhecer que isso está simplesmente reafirmando o problema de uma maneira diferente e reafirmando (um tanto desnecessariamente...) sua fé na Primeira Lei da Termodinâmica. ‘Explicar’ a obesidade por meio da alimentação excessiva é tão revelador quanto ‘explicar’ o alcoolismo por meio do consumo excessivo e crônico de álcool”.

 

 

texto integrante do livro "Por que engordamos e como evitar" de Gary Taubes (Cap 06)

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